Este blogue tem como objetivo divulgar as histórias e tradições bem como as belezas naturais e as criadas pelos Tremoceiros, alcunha dada aos casalenses, habitantes da aldeia de Casal da Quinta, Milagres, Leiria, Portugal.
Em 19 de Janeiro de 2013, a nossa aldeia de Casal da Quinta, Milagres, Leiria bem como todo Portugal
Continental foi afetado por umadepressãomuito cavada com origem
numaciclogéneseexplosiva. Esta depressão,
a que foi atribuído o nome “Gong”, resultou num temporal com rajadas
de vento de aproximadamente 130 km/h.
Na manhã desse sábado as consequências do ciclone começaram a revelar a sua
verdadeira dimensão: centenas de árvores partidas ou arrancadas, estradas interrompidas, coberturas de telhados arrancadas,
antenas caídas, falhas generalizadas na eletricidade e nas redes telefónicas
fixas e móveis.
Uma
pequena volta pela minha aldeia revelou a devastação
provocada por este acontecimento. Eis algumas
imagens de 19 de janeiro de 2013.
Para os mais velhos foi a devastação...
Para os mais novos, alheios aos prejuízos e danos foi uma animação...
Nesse dia... a mãe natureza demonstrou a sua força...
E esse dia ficou na nossa memória...
Somos muito pequeninos perante as forças da natureza!
99 anos depois... descobrimos onde repousa, em paz, o jovem Manuel da Mota.
Este Natal recebi um presente fantástico do Paulo Domingues e do seu pai Abílio Domingues, mais conhecido por Abilio Marau.... que quero partilhar com todos vós.
Recebi notícias de um tio avô falecido na 1ª guerra mundial. Chamava-se Manuel da Mota e foi um dos muitos jovens que pertenciam ao 1º Corpo Expedicionário Português que, em 17 Janeiro de 1917, embarcou para França para lutar nas trincheiras nas frentes de combate.
Não foi sozinho... outros jovens da terra e da freguesia o acompanharam, 31 no total, e os seus nomes estão gravados na placa de mármore existente na igreja dos Milagres e nos corações dos seus familiares.
Do Casal da Quinta foram quatro jovens Jacinto Sousa (na 1ª foto), António Fonseca Estrada (na 2ª e 3ª fotos) e José de Sousa Carpalhoso e o meu tio avô... Manuel da Mota,
Diziam os meus familiares que ele era o mais corajoso e destemido e que repetidamente dizia aos seus companheiros: "Não tenham medo... havemos de voltar!"
Mas dos quatro ele foi o único que não voltou... morreu vitima do gás em 7 de julho de 1917 , três dias depois da morte de José da Silva e Sousa (4/7/1917) e três dias antes de Joaquim Ferreira Domingos (10/7/1917), dois companheiros da mesma freguesia.
99 anos passaram!
Para alguns de nós apenas ficou a lembrança da de histórias dos nossos avós que falavam do tio que por lá ficou ou dos outros, com mais sorte, que voltaram com traumas de guerra e doenças de ossos provocadas pelo frio intenso.
Não tenho fotos de Manuel da Mota nas tenho de dois companheiros do Casal da Quinta que o acompanharam:
Jacinto Sousa (Pai da Luz Carpalhosa)
António da Estrada (antepassado da família Estrada).
António da Estrada e os seus companheiros junto a um tanque de guerra,
( Fotos cedida por sua neta Lucinda Francisco)
Os soldados da freguesia dos Milagres foram acompanhados pelo capelão o padre Lacerda, jovem pároco da freguesia.
Este então jovem padre dava apoio religioso e moral aos soldados especialmente aos da nossa freguesia e era ele que tinha a tarefa de fazer a censura das cartas enviadas pelos soldados às suas famílias. Ou seja riscava as noticias que não interessavam ou não podiam ser enviadas para Portugal.
A Maria da Graça (mais conhecida pela Graça filha da Mª Laura) neta do soldado José de Sousa Carpalhoso Júnior contou-nos como é que o seu avô conseguia enganar essa censura. Disse ela:
" ... O meu avô foi o maior contador de histórias que conheci na vida. Tinha perdido dois dedos na guerra e , das muitas histórias que contava e das experiências que viveu na guerra, recordo-me do que ele nos dizia de como era difícil comunicar com a família. A única maneira que existia era através das cartas, mas codificadas para que os instrumentos de censura não as apreendessem. Assim, para dizer à família que passava fome pedia ou escrevia para que a família lhe guardasse feijão frade para o seu regresso. Como a família sabia que ele não gostava nada de feijão-frade, apercebia-se que ele queria dizer que passava fome. " Outra história ... Quando um seu companheiro morria na guerra e ele queria dar a notícia à família não o podia fazer francamente e usava formas codificadas para o fazer : O companheiro x (fulano) foi fazer companhia a Y (Sicrano),sendo que o Sicrano seria alguém que já tivesse morrido e que ambas as partes conheciam."
Jacinto Mota, António Estrada e Manuel da Mota e todos os outros soldados oriundos do distrito Leiria pertenciam ao 4º Batalhão de Infantaria tal como prova a sua carta militar.
Carta militar de Manuel da Mota
Em Janeiro de 1917 embarcaram em Lisboa juntamente com soldados vindos de outros pontos do país.
A despedida
O embarque em Lisboa
Combateram... lutaram....
Sofreram com as balas... Sofreram com as feridas... Sofreram com a fome... Sofreram com o frio...sofreram com o gás... Sofreram com as doenças... sofreram com a saudade.
Muitos não aguentavam os horrores e colocavam termo à própria vida.
No ataque às tropas inimigas
Com máscaras anti-gás
Em ação nas trincheiras.
Em pausa para a fotografia
Uns conseguiram voltar...
Traumatizados com a guerra... doentes... infelizes com as perdas com as marcas deixadas pela guerra.
Embarque das tropas portuguesas em França
Outros lá ficaram... mortos no campo de batalha ou prisioneiros de guerra.
Depois de uma batalha
Manuel da Mota foi um dos milhares que lá perderam a vida e lá ficaram.
O Padre Lacerda tinha um diário onde registava todas as suas atividades, no dia 16/08/1917----- escreveu: "Fui às 14 horas para a infantaria 7 e ali soube dos mortos e atacados com gás. Soube da morte do Mota. Falei com os rapazes dos Milagres e de outras partes..."
Manuel da Mota, o meu tio avô e antepassado de todos os Motas da aldeia, lá ficou provavelmente morto devido ao gás que respirou e o seu corpo, finalmente em paz, descansa agora no cemitério de Richebourg l´Avoué, situado a Norte da França.
Pedra tumular de Manuel Mota.
Richebourg é um cemitério militar exclusivamente português, com 1.831 mortos, dos quais 238 são desconhecidos.
Os corpos dos homens que hoje encontraram o seu descanso naquele local vieram de outros cemitérios em França, como o de Touret, Ambleteuse ou Brest. Vierem também de Tournai na Bélgica e alguns da Alemanha, no caso dos prisioneiros falecidos naquele território.
A recolha total e os trabalhos de inumação dos corpos ter-se-á efectuado entre 1924 e 1938.
O seu sobrinho Abílio Domingues junto à lápide tumular do tio Manuel da Mota... 99 anos depois. ------------------------------ Na igreja do Senhor Jesus dos Milagres, em Milagres, estão as lápides que recordam os jovens da freguesia que participaram na guerra e que tiveram a sorte de voltar à sua amada terra..
Uma outra lápide recorda os que aí perderam a vida...
"Ditosa pátria que taes filhos teve" Camões
................................... A Batalha de La Lys
Deu-se a 9 de abril de 1918, no vale da
ribeira de La Lys, sector de Ypres, na região da Flandres, na Bélgica.
Nesta batalha, que marcou negativamente a participação
de Portugal na Primeira Guerra Mundial, os exércitos alemães infligiram uma
pesada derrota às tropas portuguesas. A
frente de combate distribuía-se numa extensa linha de 55 quilómetros com
cerca de 84 000 homens, entre os quais 15
000 portugueses que combateram nas primeiras linhas, comandados pelo general Gomes da Costa. Esta
linha viu-se impotente para sustentar o embate de oito divisões do 6º Exército
Alemão, com cerca de 55 000 homens. As
tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha na madrugada e manhã de 9
de Abril, teriam registado milhares de baixas, entre mortos (1341), feridos
(4626), desaparecidos (1932) e prisioneiros (7440). .............................................................................. Uma homenagem aos soldados da nossa aldeia e a todos os outros que nas trincheiras foram heróis... um fado de Fernando Farinha - O soldado das Trincheiras.
As fotos a cores foram tiradas por Paulo Domingues
(sobrinho neto de Manuel da Mota) e foram-me entregues por seu pai Abílio Domingues.
As fotos de António da Estrada é de sua neta Lucinda Francisco (Lucinda da Estrada)
As Fotos a preto e branco são do arquivo Militar (fotos das tropas portuguesas na 1ª guerra Mundial) A foto de Jacinto Mota é de Rosário Sousa A foto do Padre Lacerda foi retirada da net /Wikipédia.