sexta-feira, 29 de abril de 2016

Jogar ao 1º de Maio - uma tradição da nossa aldeia


 

O 1º DE MAIO NA MINHA ALDEIA -        «JOGAR» AO MAIO*

   *« Jogar» ao Maio é uma tradição anual ainda hoje praticada, apenas por jovens rapazes, na aldeia de Casal da Quinta – Milagres –Leiria, na noite de 30 de Abril para 1 de Maio. O resultado desta tradição  (a «exposição efémera» de objectos «roubados») só pode ser observada na madrugada e manhã do primeiro dia de Maio.




   Na aldeia de Casal da Quinta, ainda hoje a tradição se cumpre na noite do 1º de Maio.
No passado, não muito distante, era costume, nessa noite, as pessoas colocarem flores e troncos de árvores nas portas dos vizinhos e nas terras cultivadas. Muitas vezes o tronco impedia a abertura das portas o que tornava a tradição numa brincadeira entre vizinhos!

                                      




 Hoje a tradição já não é bem o que era!

   Nesta noite, grupos de rapazes (e só mesmo rapazes solteiros!), percorrendo as ruas da aldeia, fazem o divertido «ROUBO» de todas as alfaias agrícolas e outros objetos ligados à agricultura que conseguem encontrar. São os carros das vacas, charruas, cangas das vacas, escadas, poceiros, foices e tudo mais que esteja à mão de semear! Tentam fazer tudo às escondidas, de modo a não serem descobertos pelas pessoas que irão «atacar»; as pessoas mais velhas e descuidadas, as que deixam nas eiras e barracões as alfaias e outros instrumentos ligados à agricultura.





Na véspera, os mais velhos tinham a preocupação de guardarem em local seguro os seus haveres, para que estes não fossem levados pela rapaziada. Muitas vezes ficavam de guarda toda a noite e chegavam mesmo a prender os cães  junto das suas coisas, para que eles  pudessem acusar a presença da malta.




Este jogo do esconde-esconde e esta «luta» entre novos e velhos prolonga-se pela noite fora e os rapazes não sossegam enquanto não conseguem «ROUBAR» algo aqueles que mais teimam em resistir!

Os objetos «ROUBADOS» eram depois levados pelos grupos de rapazes para sítios estratégicos, cruzamentos, adro da capela e, mais recentemente para junto do clube recreativo, e aí eram colocados  de uma forma confusa mas organizada, numa exposição efémera e muito rápida que só podia ser vista na madrugada desse dia.









Entretanto, os rapazes, depois do serviço feito e lá pela madrugada, desapareciam, indo descansar após o «trabalho» realizado!

Logo ao nascer do sol, os mais curiosos e as crianças principalmente, saltavam da cama e corriam a observar a «Exposição dos objetos roubados» e ver a cara bem disposta ou chateada das vitimas do «roubo» noturno. 




Estas verificam, no local da exposição, o que lhes havia sido levado e apressavam-se a ir procurar e buscar as suas coisas antes que elas fossem roubadas a sério! Além disso, as alfaias em exposição, muitas vezes, são necessárias para o trabalho agrícola e doméstico desse dia.








À hora do almoço já pouco ou nada restava daquela exposição que fazia rir os madrugadores e que muitas vezes «chateava» as vitimas que depois eram alvo de gozo por parte de todos.

   Esta tradição fazia com que a noite do 1º de Maio fosse mal dormida; os rapazes porque se divertiam nesta luta com os mais velhos e porque tinham o trabalho de «roubar» e de montar a «Exposição», o que era bem divertido; os mais velhos porque tentavam, durante quase toda a noite, proteger o que era seu e porque não conseguiam dormir com o barulho provocado pelos carros de vacas, pipas e limpadores de cereais a rodarem  pelas ruas fora; e muitas das crianças também dormiam pouco porque estavam curiosas de ver o resultado da brincadeira.



Talvez toda esta tradição fosse uma forma inteligente de obrigar todas as pessoas da aldeia a saírem da cama bem cedo. É que, segundo dizia o ditado popular, «Quem ficar com o Maio no cú, ficará com sono o ano inteiro», ou seja, quem se levantar tarde no 1º dia de Maio será preguiçoso todo o ano.

  Todos os anos a tradição se repete... Este «ROUBO» divertido e sem maldade é do agrado da rapaziada que, nesta «luta» com os mais velhos, sai quase sempre vencedora.


  
Sem se aperceberem, os que participam nesta tradição estão a participar num culto agrário que se baseia na «Luta» entre a morte e a vida, entre o bem e o mal e entre o adormecimento do Inverno e o despertar da Primavera.

 



   Com o progresso, a agricultura na aldeia está a deixar de ser praticada. Não falta muito para que os objetos e as alfaias agrícolas sejam desnecessários e deixados ao abandono.
Será que  quando isso acontecer jogar ao MAIO terá algum significado? Será que os jovens  irão recorrer a outros objetos? Será que tudo irá ficar no esquecimento? 

O futuro o dirá... 
                                


Campos floridos na Ribeira- Casal da Quinta


                       QUE A TRADIÇÃO CONTINUE A SER O QUE É, JÁ QUE NÃO É O QUE ERA!








                ..................          1º DE MAIO    ..........................

   O 1º de Maio não é só o 1º dia do 5º mês, segundo o calendário gregoriano.

   O 1º de Maio não é só o dia da festa internacional do trabalho, instaurada em 1889 para recordar cinco dirigentes operários de Chicago (E.U.A) que foram executados em 1887 por terem organizado uma greve geral em 1886.

   O 1º de Maio é também um dia, festejado desde a antiguidade, numa festa chamada MAIO ou MAIAS que celebra a renovação da natureza e o esplendor da Primavera.
  
   Pensa-se que a origem das consagrações florais do 1º de Maio tem uma forte ligação com as festas públicas romanas das «Florálias», festas dedicadas à Deusa Flora (Deusa da floração da primavera, dos cereais, das árvores e das flores) e onde se celebrava o renascer da vida na Primavera.
Ainda hoje é tradição em muitos pontos do nosso País colocar ramos de flores (algumas são mesmo as Maias ou Madresilvas) às portas das casas dos vizinhos e até mesmo nos campos e nas terras cultivadas.
Existem ainda muitas outras tradições e cultos agrários relacionados com flores, com a Primavera e com o renascimento da Natureza.
   Na demonologia medieval germânica, a noite do 1º de Maio corresponde a noite de valpurgis- noite povoada de bruxas que andavam pelo ar e praticavam obras infernais, uma herança na crença pagã nos espíritos nocivos do inverno e da morte. Devido à sua existência, tornava-se necessário purificar ritualmente a terra, no início do ano agrário – na primavera- daí as inúmeras manifestações e cultos ainda realizados em muitos países do mundo.







  Texto e fotos de Rosário Sousa
Fotos  de Maio tiradas nos anos 1985/ 1986/ 1987 e 2005