domingo, 23 de agosto de 2020

O diabo está às soltas… No dia 24 de agosto!

 

                                                                                                     

      Contou-me a minha tia Maria e também outras gentes mais velhas e sábias da minha aldeia que, em certo dia do ano, o diabo andava às soltas pelo mundo. 

                Esse dia era 24 de agosto - Dia de S. Bartolomeu!


S. Bartolomeu e o Diabo

 Diziam-me elas, muito assustadas e receosas que, nesta data, o diabo andava,  preso apenas por uma linha,  a percorrer o mundo. 

E mais… Durante uma hora e apenas uma única hora, não se sabia qual, e num sitio qualquer do mundo também ele desconhecido, o diabo iria soltar-se e provocar acidentes, desgraças e todos os tipos de males a quem estivesse desatento e desprevenido.

Por essa razão toda a gente deveria estar atenta e prevenida!
 Deveria evitar-se subir às árvores, mexer em objetos cortantes, passar por sítios perigosos e até mesmo sair de casa.


 Outra lenda diz que:

 São Bartolomeu   traz consigo o diabo preso a uma corrente que, durante o resto do ano, apresenta a forma de um cão preso na sua trela. Mas no dia 24 de agosto solta-o  e ele figura-se de diabo que anda pelo mundo às soltas.


 Mais outra versão diz que:

S. Bartolomeu nas suas andanças pelo mundo, retirou o diabo do corpo de um jovem doente, e depois aprisionou-o  com uma corrente para que ele não fugisse e não fizesse mais estragos.


Mas, o santo era um santo...e, num gesto de caridade, decidiu que, se ele se portasse bem, lhe daria  um dia de liberdade a  24 de agosto.

Por isso, e andando  o diabo à solta,   todo o cuidado é pouco e  o pior pode acontecer acontecer.

 Poderá  instalar-se a desordem e o caos, podem acontecer fenómenos invulgares,  o tempo pode trazer  chuvas, trovoadas e ventanias e até o mar se pode alterar.


Pormenor de estampa religiosa 

As contadoras desta história não sabiam mas este medo ou o mito, de que o diabo anda à solta e de que acontecesse algo de mal neste dia de agosto, poderá ter tido origem em França, com o massacre da noite de São Bartolomeu.

 De facto, a matança daquela noite só podia ter sido obra do diabo, mas do "diabo humano".

Este foi um episódio muito sangrento na proibição dos protestantes em França pelos reis franceses, católicos. As matanças, organizadas pela casa real francesa, começaram a 24 de Agosto de 1572 e duraram vários meses, inicialmente em Paris e depois em outras cidades francesas, vitimando entre 70.000 e 100.000 protestantes franceses (chamados huguenotes).

Nas primeiras horas da madrugada de 24 de Agosto, o dia de São Bartolomeu, dezenas de líderes protestantes foram assassinados em Paris, numa série coordenada de ataques planeados pela família real. Relatos da altura dão conta que eram tantos os cadáveres nos rios, que estes ficaram vermelhos e que, durante meses, ninguém comeu peixe.

Relatos diziam que o Papa Gregório XIII ficou muito feliz com a notícia deste massacre que mandou os sinos de Roma ressoaram para um dia. Mandou ainda cunhar uma medalha comemorativa em honra da ocasião e encarregou um pintor de fazer uma pintura de um mural celebrando o massacre.


O medo foi tanto que a imaginação popular lhe deu uma imagem diabólica!


Adaptação do livro de autor “Pequenas histórias de uma Pequena aldeia – Histórias da tradição oral da aldeia de Casal da Quinta, Milagres, Leiria” com recolha, adaptação e ilustração de Rosário Sousa, 2012



Para saber mais:

Romaria de São Bartolomeu do Mar Esposende (Minho)

Todos os anos, no dia 24 de Agosto, realiza-se a Romaria de São Bartolomeu do Mar, padroeiro da freguesia com o mesmo nome, pertencente ao concelho de Esposende (Minho), durante a qual as crianças são levadas a mergulhar, pelo menos três vezes, na água fria do mar. Para que fiquem livres de muitos males.

 chttps://folclore.pt/romaria-de-s-bartolomeu-do-mar-esposende/

e

https://sabedoriapopular.blogs.sapo.pt/12734.html



sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Os Tremoceiros do Casal da Quinta - a origem da alcunha!

 

Os habitantes da aldeia de Casal da Quinta, freguesia de Milagres, concelho de Leiria, eram conhecidos pelas populações vizinhas por Tremoceiros… 

                                 Uma alcunha com a qual se identificam até aos dias de hoje. 

 Esta simpática alcunha de Tremoceiros deve-se ao facto de, no passado, o cultivo do tremoço ser muito comum nos campos da aldeia.


 Era muito frequente o consumo deste petisco entre a população, sendo um alimento essencial para todas as famílias da aldeia.

 Sendo todas as famílias de origem humilde, em tempos de fome, era comum as mães darem tremoços salgados aos filhos para que estes bebessem muita água e ficassem de estômago cheio. 

                        Desta forma conseguiam enganar-lhes a fome por uns tempos. 



Este alimento era essencial na alimentação das gentes e era utilizado em todas as ocasiões festivas.

 Era um belo petisco domingueiro que sempre se oferecia aos vizinhos e às visitas da casa.


 No dia do bolinho, dia de Todos os Santos, era um dos presentes dados a todas as crianças, que percorriam todas as casas da aldeia.

 Elas os aceitavam ansiosas, exceto os dados pela TI Sarneira, uma velha solitária, desmazelada e muito suja que todos os anos lhes dava tremoços negros e malcheirosos que a garotada atirava para a borda do caminho.   

                                 

     

Nesta pequena aldeia o comércio dos tremoços foi muito significativo no passado, chegando a existir três tremoceiras em simultâneo. 

Estas mulheres andavam de porta em porta, com as poceiras à cabeça, a vender quartas e oitavas, medidas comuns apresentadas em forma de cubos de madeira.


Os tremoços, que eram cultivados e preparados na própria aldeia, eram colocados de molho e depois cozidos em água e cinza. 


Depois de cozinhados eram bem lavados e colocados em sacos de linhagem. Estes eram depois levados para as presas, ribeiros ou poços com água corrente onde estavam de molho por vários dias. Só depois de deixarem de ter um sabor amargo é que eram servidos com sal.


Os habitantes da aldeia eram mesmo muito apreciadores deste alimento, um gosto bem conhecido pelos vizinhos das outras aldeias.


Aos domingos, quando ainda não existia a capela da aldeia em honra a S. António, as pessoas iam às missas às capelas das aldeias vizinhas de Milagres, Bidoeira de Cima ou Boavista.
E, como era hábito, à saída das missas as tremoceiras vendiam pevides, pinhões e os tremoços.



 Como por essa altura não existiam sacos de plástico ou de papel, as mulheres colocavam os tremoços nas suas sacas de pano e os homens nos bolsos dos casacos. 


Diz-se que, com o passar do tempo, estes bolsos  dos casacos dos homens chegavam a ganhar ranço com tanta sujidade acumulada mas, como também dizem os mais velhos, tudo se comia e nada fazia mal!


 No regresso, as gentes voltavam a pé e descalços e em grupos às suas casas, e durante a viagem iam comendo os tremoços, atirando as suas cascas para o chão. 

Como se deslocavam em grandes ajuntamentos, a quantidade de cascas deveria ser grande pois os ranchos de gentes das outras aldeias que seguiam os mesmos caminhos, facilmente identificavam quem antes tinha passado por esses caminhos. 

E sabendo que eram ranchos de gente  do Casal da Quinta, colocaram-lhes a alcunha de Tremoceiros.


Ainda hoje os habitantes locais se identificam com esta alcunha e continuam a comer  os deliciosos tremoços.

 Continuam com a ter fama e… o proveito!

 


Adaptação do livro de autor “Pequenas histórias de uma Pequena aldeia – Histórias da tradição oral da aldeia de Casal da Quinta, Milagres, Leiria” com recolha, adaptação e ilustração de Rosário Sousa, 2012


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Coração de S. António - Bolo tradicional da festa de Casal da Quinta, Leiria, Portugal


 Bolos tradicionais da festa de Casal da Quinta,
 Milagres, Leiria, Portugal

Coração de S. António


Na nossa aldeia, na festa  realizada todos os anos no 1º fim de semana de agosto, cujo S. Padroeiro é S.António, 
este bolo tradicional,  em forma de coração,  é o rei dos Bolos.


Mas o porquê desta tão doce tradição?

S. António é conhecido como o “padroeiro dos humildes” e protetor dos pobres devido à maneira simples como viveu.
Na aldeia também se acreditava que protegia o gado e os animais à nascença, 
sendo por isso escolhido como padroeiro ou protetor do Casal da Quinta.


Mas S. António também é conhecido como o “santo casamenteiro”, protetor dos namorados e das solteiras.

Talvez por isso, o bolo, que decora os andores na procissão em honra do Santo,  tenha o formato de coração.
 Talvez a imitação de uma jóia muito usada pelas mulheres do passado. 


Ao contrário do que se poderia pensar, o propósito primeiro do Coração de Viana, não foi ser um símbolo de amor, mas sim um símbolo de dedicação e de culto ao Sagrado Coração de Jesus.
 Terá sido a rainha D. Maria I que, grata pela “bênção” de lhe ter sido concedido um filho varão, mandou executar um coração em ouro.

Assim, este símbolo tem
 origem no sagrado Coração de Jesus
e, por isso tem um carater religioso, 
daí ser um bolo que só se faz para adornar os andores.


A parte de cima, às quais chamavam "orelhas", representam as chamas do Amor que brotavam do coração de Jesus e também do coração dos apaixonados. 


Para se tornar mais doce este bolo coração, ele era adornado com beijinhos doces (bolo tradicional) e, mais recentemente com rebuçados, gomas ou frutas doces.




Na freguesia existiam, e ainda existem, mulheres especializadas neste tipo de bolos... São as Boleiras.
Cada boleira tinha a sua forma de os  fazer, daí terem sabores e formatos ligeiramente diferentes.


Os andores (Padiola ornamentada para levar santos ou oferendas em procissão), 
decorados com flores de papel carregam-se com estes bolos e são levados na procissão por crianças, jovens e adultos.






(Podem ver fotos das procissões dos últimos anos de 2006  a 2018, nas duas mensagens anteriores deste blogue.)

Fiquem aqui com algumas imagens de bolos e andores.  














































Nos últimos anos, também apareceram andores com pão e chouriço,
uma alternativa para os que não podem comer doces ou para servir de petisco logo após a procissão.












Neste ano de 2020 não houve festa devido à pandemia que o mundo atravessa,
 mas mas nos próximos anos voltará a tradição.

Esta festa anual da  aldeia de Casal da Quinta, em honra do nosso padroeiro protetor  - S. António
é mesmo uma festa de com muita tradição,
 animação, amizade, afetos e beijinhos...

Uma festa de CORAÇÃO.


Fotos e texto de Rosário Sousa